Armando Diniz Guerra Prof. Dr. do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares/UFPA
Conheci Paulo Roberto Ferreira nos finais dos anos 80 do século passado, nos corredores do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, o NAEA da Universidade Federal do Pará. Fazíamos o Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento em turmas diferentes, mas sabíamos dos projetos uns dos outros. Ele fazia algo ligado ao trabalho assalariado, não me lembro mais sob que orientador. Depois ouvi muito falar bem dele pela professora Violeta Loureiro, por conta dele lhe ter cedido todas as entrevistas que fizera com Quintino, camponês justiceiro da região de Viseu, abatido pelas forças policiais do então Governador Jader Barbalho.
Voltei a encontrá-lo trabalhando na TV Cultura do Pará e encontrei, na Biblioteca da Embrapa, seu livro sobre Felisberto Camargo. Depois disso assisti, na TV Cultura, uma longa entrevista feita por ele a Emeleocípio Botelho de Andrade, ex-chefe da Embrapa Trópicos Úmidos, sobre o mesmo engenheiro agrônomo Felisberto Camargo, polêmico diretor da instituição de Pesquisa sediada em Belém, que viria a ser a Embrapa, e da então Escola de Agronomia que viria a ser a Universidade Federal Rural da Amazônia.
Recentemente fui surpreendido pela comunicação virtual, quando Paulo Roberto me solicitou meu endereço postal e fez chegar a mim, no meu isolamento social, o seu “O apagador de florestas”. Li com calma e fiquei refletindo sobre todo o conjunto de 12 capítulos do livro, impressionado pelo caráter psicológico que ele revela em suas alegorias e seu personagem principal, o egoísta, egocêntrico, prepotente e ousado Bellini.
Viajei na proposta desse perfil complexo de um homem que sai do seu lugar, no Espírito Santo, e encontra outros em diversas partes do mundo onde, na maioria das vezes, se dá bem. Termina amargurado, embora tenha satisfeito seu desejo de vingança com um gesto de bravata contra os militares que lhe teriam enganado induzindo a uma aventura malfadada na supressão de árvores de onde seria o grande lago da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
O cuidado com o texto se revela no primeiro capítulo, quando o protagonista do conto entra em uma loja de instrumentos musicais e se fixa na proposição de compra da capa de um violoncelo. Surpreende os lojistas com a estranha proposta que vai realizar mais adiante, em um antiquário. As ilustrações das páginas que encerram os capítulos insistem na figura de um violoncelo. Como pode o som de uma motosserra ser associado ao de um instrumento musical? O que significa, para Bellini, uma motosserra, senão música de um grave e sóbrio violoncelo? A ironia se revela no momento em que, entre os capítulos 6 e 9, descarrega toda a tensão do texto, no acerto de contas entre Bellini e a organização de previdência dos oficiais que lhe contratara para o serviço de desmatamento na área do futuro lago a ser formado pela barragem.
O esmero na escrita se mantem no segundo capítulo quando Paulo Ferreira faz questão de explicar o nome de seu personagem associado ao mundo das artes pictóricas. Lorenzo Bellini seria uma combinação de nome e sobrenome dos pintores Lorenzo Lotto e Giovanni Bellini, vividos entre os séculos XV e XVII. Seu pai, farmacêutico, era leitor de Almanaques e por ali tinha acesso a informações sobre celebridades culturais que lhe inspirava para nomear os filhos. Colados no quixotesco Bellini, um fiel escudeiro e uma esposa submissa, sem nenhum destaque que lhes exalte virtudes ou protagonismo. Sutilmente, Paulo Roberto faz do seu texto uma denúncia das relações de trabalho na Amazônia dos anos 80, desnudando o caráter cruel e excludente dos grandes projetos na Amazônia, a saber: a tríade composta pela exploração de madeira, a mineração e a criação de gado bovino. O título do livro me soou, à primeira leitura, com um duplo sentido, por conta da associação com o apagar de incêndios que logo subiu ao pensamento, mas se dissipou ao longo da narrativa. O estilo de escrita me lembrou Graciliano Ramos com suas frases curtas, entrecortadas, objetivas, diretas mas muito reflexivas.
Ainda sobre as ilustrações, elas trazem um traço enigmático, incômodo, perturbador, com desenhos em preto e branco a lembrar xilogravura e a nos reportar para madeira queimada, o que as figuras insistem em lembrar. O cenário pode ser muito bem identificado pelos que conhecem a região, em particular Belém, com seus pontos de referência e hábitos locais bem demarcados, como as viagens de barco, de ônibus, os portos, as feiras, os bares, os hotéis... A obra se consume nas descrições angustiadas de Bellini em seus pensamentos e fuga amargurada do seu passado de agressor das matas. O final do livro se traduz no gesto de libertação das mágoas com o desfazer-se de seu instrumento de trabalho, jogando-o ao rio envolto em sua capa de violoncelo. Vão-se, com ele, as lembranças torturantes de todas as passagens em locais marcados pela destruição da natureza e construção de usinas hidrelétricas.
Pareceu-me estranho o texto analítico do jornalista Nélio Palheta sobre a Amazônia, servindo como uma espécie de encerramento da história, sendo de fato um posfácio. Embora ele venha sem a numeração, quebra, a meu ver, a sequência de número dos 12 capítulos, como se mais um capítulo fosse do próprio Paulo Ferreira, o que só vamos entender não ser essa a pretensão quando da assinatura dessa parte.
Considero que esse livro vai se somar ao que se tem denominado de literatura de resistência, pois denuncia um momento obscuro, discricionário, violento e desumano de nosso país. Mais do que isso, destrincha a personalidade de um homem que realiza seus trabalhos com frieza e uma visão restrita do mundo em que interfere, com dureza, para alcançar os seus objetivos. Embora enquadrado no âmbito da ficção, o leitor que tenha dificuldade entre separar imaginação e realidade, poderá ter dúvidas, dada a força do texto. Recomendo a leitura dos trabalhos de Paulo Roberto Ferreira aos que trabalham nas áreas técnicas da agricultura como um estímulo à reflexão sobre as relações do homem com a natureza e sobre as relações capital trabalho nesse conturbado mundo amazônico.
Revista GeoAamazônia
http://www.geoamazonia.net/index.php/revista/index
eISSN: 2358-1778
Universidade Federal do Pará Programa de Pós-graduação em Geografia
Revista GeoAmazônia | Belém | v.7, n.14 | p.231-233 | 2019
FERREIRA, Paulo Roberto. O apagador de florestas. Belém: Paka-Tatu, 2020
Encontrei no site MFRural(http://www.mfrural.com.br/busca.aspx?palavras=grude)o seguinte anúncio: "Estou a procura de bucho ou grude de pescada amarela ou corvina para exportar para Hong Kong/China e Estados Unidos". Trata-se de um espaço virtual onde compradores e vendedores se encontram para fechar negócios sobre produtos do campo e da água. Então pude compreender melhor a importância do anúncio que vi e fotografei na orla do município de Vigia de Nazaré, na região do Salgado, no Pará. A grude ou bexiga natatória de determinadas espécies de peixes ósseos, auxilia o animal a se manter em determinadas profundidades. Após ser beneficiada, a grude tem diversos usos, como colas de alto teor de adesão, bem como pode ser utilizado pela indústria espacial em operações cirúrgicas de alta precisão. O pescador coloca para secar por três a quatro dias a grude antes de vender por um preço que varia entre R$ 20 e R$ 30. Mas em grande quantidade o preço no mercado exportador chega até R...
Comentários
Postar um comentário