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Mostrando postagens de 2022

Trem, terra e mandioca

“Bragantina: um trem, a terra e a mandioca”, trabalho de 1991 que só agora chega ao grande público. A autora, Maria de Fátima Carneiro da Conceição, é doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo, fez mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e é graduada pela Universidade Federal do Pará. Desde criança tinha fascínio pela história da estrada de ferro que cortava o seu município, Castanhal. Todos os dias o trem fazia a ligação entre Bragança e Belém, transportando passageiros e cargas agrícolas. Fátima Carneiro desenvolveu o projeto de pesquisa e defendeu sua dissertação de mestrado na Unicamp. O trabalho revela a relação dos pequenos agricultores que tinham como um de seus principais produtos a mandioca, matéria prima da farinha, que é parte do cardápio alimentar das famílias da região bragantina. A construção da ferrovia EFB começou no final do século 19, ainda no período do Império, e foi inaugurada em 1908. A autora analisa as relações de trabalho no meio rur

Dalcídio, Claudio e Rafael reverenciados pela Alanin

A biblioteca da Alanin já tem nome: Cláudio Cardoso. Uma justa homenagem ao incansável incentivador do livro e da leitura. A decisão foi tomada no último dia 22/10, durante a aprovação do Regimento Interno da Academia de Letras de Ananindeua (Alanin). Que também aprovou o nome do músico e compositor Rafael Lima como sócio honorário "post mortem". Também foi aprovado o nome da revista anual da instituição, que será "Letras de Alanin". A reunião aconteceu à noite, no CCFC (Centro Cultural de Formação Cristã). Na assembleia geral de fundação da instituição, no dia 26 de setembro, foi escolhido também o patrono geral do silogeu, que por aclamação recaiu no nome do imortal Dalcídio Jurandir.

A reação da periferia

(Paulo Roberto Ferreira) A professora subiu no ônibus e duas quadras depois embarcaram três adolescentes. Havia muitos assentos livres, mas os meninos não se sentaram e nem se aproximaram da catraca. Dois ficaram na retaguarda e um chegou mais perto do cobrador. A professora olhou para trás e viu que um dos garotos era seu aluno. Ele percebeu, virou o rosto na direção de seus companheiros e a voz saiu gutural: - Sujou. Na parada seguinte os jovens desceram, correram por trás do coletivo e se esquivaram por uma travessa, desaparecendo da vista dos passageiros e do condutor do veículo, que ainda os acompanhou pelo retrovisor. A professora e outros viajantes do transporte urbano suspiraram aliviados. E o trocador expressou o sentimento dos que pressentiram o perigo: - Escapamos de um assalto! Passado o susto, aquela frase permaneceu ecoando na mente da professora Sandra. A sensação de fracasso abalou o ânimo da educadora. A viagem parecia não ter fim. Tão distante estava que passou do p

Revista literária e o Prêmio Novos Escritores nos planos da Alanin

Ananindeua, o segundo município mais populoso do Pará e o quarto da região Norte, ganhou a sua Academia de Letras, no último dia 26. Nasceu para valorizar o livro e a leitura e tem como patrono geral um dos nomes mais respeitados da literatura brasileira: Dalcídio Jurandir. Aprovado o Estatuto e escolhida a primeira diretoria, a Academia de Letras de Ananindeua (Alanin) contará com 40 cadeiras e cada acadêmico terá um patrono ou patronesse. A lista é paritária e vai homenagear escritoras e escritores que se destacaram no cenário literário do Pará, da Amazônia e do Brasil. Está nos planos da diretoria da Alanin a edição de uma revista literária e a criação do Prêmio Novos Escritores. O presidente eleito, poeta José Maria Andrade Filho, explica que a sociedade clama por uma identidade sociocultural e a literatura é essencial para que isso aconteça. “É imprescindível à sociedade, além do acesso à leitura, ser agente criador e recriador das artes da escrita”, diz. Jetro Fagundes, também i

Avança o projeto do “Caminho de Benedito a Nazaré”

Um proveitoso bate-papo com pessoas da comunidade de Peixe-Boi marcou a nossa etapa de caminhada no trecho entre Capanema e Jambu-Açu (São Francisco do Pará). Foram 66 quilômetros em dois dias, passando por várias vilas ao longo do trajeto, que inclui também os municípios de Nova Timboteua e Igarapé-Açu, pelas rodovias PA-242 e PA-320, que segue mais ou menos o traçado da extinta Estrada de Ferro de Bragança (EFB). Como já havíamos feito o trecho entre Bragança e Tracauteua e a etapa Tracuateua/Capanema, iniciamos, no último dia 16/06, às 5h30, com destino a São Francisco do Pará, mais um pedaço do que denominamos, provisoriamente, de “Caminho de Benedito a Nazaré”, que prevê a Rota Bragança-Belém. Neste percurso são raras a casas de pequenos agricultores. O dominante da paisagem são pastos para gado e poucas casas de vaqueiros e sedes de fazendas. A falta de árvores e, consequentemente de sombra, nas margens da rodovia, exige mais do caminhante por conta do calor, especialmente, a

Cordão de luz do Marajó

“Lá vem o Sol raiando o dia, a alvorada/A esperança iluminando a escuridão/No coração uma cantiga de ouro e de prata/que o vento leva e traz, semeia na amplidão”. Os versos da canção “Lá vem o Sol”, de Allan Carvalho e Ronaldo Silva, espargem luz e crença num futuro diferente e melhor para as crianças e jovens do Marajó (PA). Servem também de abre alas ao “Cordão do Galo”, manifestação sociocultural de Cacheira do Arari “em defesa da vida, memória e universalidade de direitos.” Um farol cultural que vem do arquipélago. O show de lançamento do livro de músicas e do disco, com 18 canções, promovido pelo “Arraial do Pavulagem”, na última sexta-feira (20/05), no Teatro Gasômetro, em Belém, foi uma explosão de alegria e encantamento diante da riqueza sonora e do resgate da tradição oral das comunidades da região marajoara. Algumas pessoas não resistiram: levantaram e dançaram no espaço entre o palco e a plateia. O trabalho foi idealizado em 2008 e envolve várias instituições como a Ir

O belo e instigante “Pureza”

Gostei muito do filme “Pureza”, do diretor Renato Barbieri. É impactante e instigante. Tem sotaque amazônico, dez atores são do Pará: Dira Paes, Alberto Silva Neto, Cláudio Barros, Guto Galvão, Goretti Ribeiro, Marta Ferreira, Jefferson Ferreira, Roger Paes, Paulo Marat e Enoque Marinho. Noventa por cento da locação foi realizada em Marabá. A ficção com linguagem documental retrata o trabalho escravo nas fazendas agropecuárias e a luta de uma mãe para resgatar seu filho do cativeiro. O papel interpretado por Cláudio Barros me fez lembrar da importante contribuição do frei Henri Burin des Roziers, frade dominicano nascido na França e que dedicou sua vida aos trabalhadores rurais na região do Bico do Papagaio. A imagem do padre Josimo de Moraes Tavares, assassinado pelas balas do latifúndio, nos remete para outros mártires da terra, como a irmã Dorothy Stang e a irmã Adelaide Molinari. Muito valorosos brasileiros se empenharam no combate ao trabalho escravo, como foi o caso de Valderez

Sorte e azar

Paulo Roberto Ferreira Mira conseguiu um lugar para sentar-se no ônibus. Vibrou de contentamento. Considerou um momento de sorte. Depois de viver um dia cansativo, limpando móveis, pisos, lavando banheiro, trocando lençóis de cama e toalhas de mesa, a diarista regressava para casa. Suas pernas e pés estavam molhados. A sombrinha a protegera da chuva, mas não impedira os pingos de água. Quando entrou no coletivo e viu um lugar vago, logo após a roleta, ficou muito alegre. Afinal, seria mais de uma hora de viagem entre o bairro da Campina e Águas Lindas, em Belém. Entre um sacolejo e outro, Mira até conseguia cochilar, tal o cansaço acumulado com a rotina de acordar cedo, fazer comida para os filhos e se deslocar para as casas e apartamentos onde presta serviço. Mas despertava assustada com medo de passar da parada onde desceria. Quando chegou em casa, a chuva já tinha passado, e o sol imprimia no céu cores vibrantes de despedida. Vermelho misturado com amarelo. Dava a impressão de ch

Avião sem banco, cinto e porta

Paulo Roberto Ferreira Viajar na Amazônia exige uma boa dose de espírito de aventura. Em 1984, eu estava em Xinguara para acompanhar uma discussão sobre os 20 anos do Estatuto da Terra e os conflitos fundiários no sul do Pará. Quando liguei para o Anselmo Gama, chefe de reportagem do jornal O Liberal, a fim de comunicar que minha jornada estava encerrada, recebi outra missão: me deslocar, de ônibus, até o município de Tucumã, ao longo da rodovia PA-279. Garimpeiros tinham invadido uma reserva indígena da etnia kayapó, em São Félix do Xingu, que fica a 232 quilômetros de Xinguara (em linha reta) e 1.039 quilômetros de Belém. A estrada não era asfaltada. E, como estávamos no período de chuva, em pouco tempo tivemos que abandonar o veículo. Uma cratera cortou o nosso caminho. Tivemos que atravessar uma ponte improvisada e passar para uma kombi, que iria somente até Guaritaí, lugar que eu nunca ouvira falar. Encarei. Quando cheguei no destino fui informado pelo dono do pequeno restauran

Perdeu a sombra

Paulo Roberto Ferreira. Ilustração: Jota Bosco. A menina ardia em febre. A mãe, aflita, fez um chá de alho com limão e rezou pedindo a intercessão de Maria Santíssima. O marido deveria estar bebendo com os amigos no botequim do Manduca. A luz de lamparina de lata, alimentada por querosene, projetou a sombra da mulher na beira do fogão a lenha. O paneiro, com charque e peixe seco, pendurado num caibro do telhado, parecia bem maior do que era. Madalena, a menina, gostava de brincar com as imagens projetadas pelo raio da luminária. Imaginava várias coisas que não conhecia. O cesto de palha, por exemplo, parecia um balão dirigível, que ela vira numa revista, no armazém do “seu” Raul. Mas naquela noite ela não tinha disposição para representar, na parede do barraco, os seus pássaros batendo asas, que eram as sombras dos dedos em movimento. Mesmo embrulhada num lençol grosso, Madalena não suava. A febre não cedia, para desespero de sua mãe. Quando se sentou na rede para tomar o chá, Inác

O pássaro traidor e os japiins

Paulo Roberto Ferreira Um pássaro grande, desengonçado e estranho considerava-se mais esperto que o caçador. Exibia seu canto e voo triunfal na floresta para atrair o homem e sua arma. Sempre voava na direção de um ninhal de japiim – pássaro de plumagem preta e amarela (às vezes tem parte da plumagem vermelha). Os jappins ficavam irritados com a indesejada presença. Porém, como temiam a ave bizarra e o caçador, faziam um extremo esforço para permanecer em silêncio dentro de seus ninhos, em forma de bolsa, pendurados na árvore onde a sinistra ave fazia seu abrigo provisório. O caçador seguia o voo do Bico de Sapo e, mesmo sem definir onde estava o seu alvo, aprumava a espingarda e atirava meio sem rumo. O extravagante pássaro se camuflava e ficava invisível aos olhos do atirador. Resultado: o homem acertava as aves da espécie cacicus haemoffhous, que morriam dentro dos ninhos. Depois que recolhia seus troféus, o homem se retirava da floresta. Mas o estrago estava feito. A insatisfaç

Bom dia, maestro!

Paulo Roberto Ferreira No trajeto entre o distrito de Icoaraci e o centro de Belém, o homem cochilava. A cabeça tombava, ora para um lado, ora para o outro. Mas segurava firme a mala preta sobre o colo. Em formato diferente, arredondada num extremo e alongada no outro, a bolsa chamava a atenção de outros viajantes, já acostumados com aquela presença nos ônibus que faziam a última viagem da noite e a primeira da manhã do dia seguinte, quando ele retornava do trabalho para casa. Nos intervalos de sonolência, aquele homem franzino, pele escura, estatura baixa, retirava do estojo folhas de papel pautado contendo símbolos que ninguém entendia o significado. Lia atentamente e guardava novamente. Ele viajava sempre sentado, porque morava próximo ao ponto final da linha do transporte coletivo, na primeira rua da antiga Vila de Pinheiro, em frente ao rio. Quando voltava ao lar, pegava a condução no terminal do centro histórico, aberto 24 horas, no Boulevard Castilhos França, atrás das oficinas

Entre ervas, rezas e intuições

Paulo Roberto Ferreira - À luz de lamparina, sustentada por uma pessoa da família, Maria José trabalha, orienta a respiração e empurra a barriga da grávida. A mulher grita, se contorce de dor, enquanto o marido, nervoso, espera por notícias do lado de fora da casa de madeira. Na pequena mesa, ao lado da cama, as toalhas limpas, a tesoura para cortar o cordão umbilical e uma garrafa com álcool. No chão, bacias de alumínio. Com água quente, uma, a outra com água fria. Roupas do bebê na sacola, em cima da cômoda. Imagens de Jesus, Maria e São José, padroeiro da cidade, decoram a parede do quarto. Na sala, um calendário com o nome do santo do dia. Parto demorado. A cabeça da criança não passa. O colo do útero tem pouca dilatação. A mãe sua muito. Faz força, mas não consegue parir. A parteira suspende o trabalho. Na cozinha, toma café, abre a porta do quintal, respira ar fresco, fuma um cigarro e volta para dentro da casa. A grávida relaxa um pouco. Dez minutos depois, reinicia a labuta