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Mostrando postagens de janeiro, 2022

O pássaro traidor e os japiins

Paulo Roberto Ferreira Um pássaro grande, desengonçado e estranho considerava-se mais esperto que o caçador. Exibia seu canto e voo triunfal na floresta para atrair o homem e sua arma. Sempre voava na direção de um ninhal de japiim – pássaro de plumagem preta e amarela (às vezes tem parte da plumagem vermelha). Os jappins ficavam irritados com a indesejada presença. Porém, como temiam a ave bizarra e o caçador, faziam um extremo esforço para permanecer em silêncio dentro de seus ninhos, em forma de bolsa, pendurados na árvore onde a sinistra ave fazia seu abrigo provisório. O caçador seguia o voo do Bico de Sapo e, mesmo sem definir onde estava o seu alvo, aprumava a espingarda e atirava meio sem rumo. O extravagante pássaro se camuflava e ficava invisível aos olhos do atirador. Resultado: o homem acertava as aves da espécie cacicus haemoffhous, que morriam dentro dos ninhos. Depois que recolhia seus troféus, o homem se retirava da floresta. Mas o estrago estava feito. A insatisfaç

Bom dia, maestro!

Paulo Roberto Ferreira No trajeto entre o distrito de Icoaraci e o centro de Belém, o homem cochilava. A cabeça tombava, ora para um lado, ora para o outro. Mas segurava firme a mala preta sobre o colo. Em formato diferente, arredondada num extremo e alongada no outro, a bolsa chamava a atenção de outros viajantes, já acostumados com aquela presença nos ônibus que faziam a última viagem da noite e a primeira da manhã do dia seguinte, quando ele retornava do trabalho para casa. Nos intervalos de sonolência, aquele homem franzino, pele escura, estatura baixa, retirava do estojo folhas de papel pautado contendo símbolos que ninguém entendia o significado. Lia atentamente e guardava novamente. Ele viajava sempre sentado, porque morava próximo ao ponto final da linha do transporte coletivo, na primeira rua da antiga Vila de Pinheiro, em frente ao rio. Quando voltava ao lar, pegava a condução no terminal do centro histórico, aberto 24 horas, no Boulevard Castilhos França, atrás das oficinas

Entre ervas, rezas e intuições

Paulo Roberto Ferreira - À luz de lamparina, sustentada por uma pessoa da família, Maria José trabalha, orienta a respiração e empurra a barriga da grávida. A mulher grita, se contorce de dor, enquanto o marido, nervoso, espera por notícias do lado de fora da casa de madeira. Na pequena mesa, ao lado da cama, as toalhas limpas, a tesoura para cortar o cordão umbilical e uma garrafa com álcool. No chão, bacias de alumínio. Com água quente, uma, a outra com água fria. Roupas do bebê na sacola, em cima da cômoda. Imagens de Jesus, Maria e São José, padroeiro da cidade, decoram a parede do quarto. Na sala, um calendário com o nome do santo do dia. Parto demorado. A cabeça da criança não passa. O colo do útero tem pouca dilatação. A mãe sua muito. Faz força, mas não consegue parir. A parteira suspende o trabalho. Na cozinha, toma café, abre a porta do quintal, respira ar fresco, fuma um cigarro e volta para dentro da casa. A grávida relaxa um pouco. Dez minutos depois, reinicia a labuta