Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de fevereiro, 2022

Avião sem banco, cinto e porta

Paulo Roberto Ferreira Viajar na Amazônia exige uma boa dose de espírito de aventura. Em 1984, eu estava em Xinguara para acompanhar uma discussão sobre os 20 anos do Estatuto da Terra e os conflitos fundiários no sul do Pará. Quando liguei para o Anselmo Gama, chefe de reportagem do jornal O Liberal, a fim de comunicar que minha jornada estava encerrada, recebi outra missão: me deslocar, de ônibus, até o município de Tucumã, ao longo da rodovia PA-279. Garimpeiros tinham invadido uma reserva indígena da etnia kayapó, em São Félix do Xingu, que fica a 232 quilômetros de Xinguara (em linha reta) e 1.039 quilômetros de Belém. A estrada não era asfaltada. E, como estávamos no período de chuva, em pouco tempo tivemos que abandonar o veículo. Uma cratera cortou o nosso caminho. Tivemos que atravessar uma ponte improvisada e passar para uma kombi, que iria somente até Guaritaí, lugar que eu nunca ouvira falar. Encarei. Quando cheguei no destino fui informado pelo dono do pequeno restauran

Perdeu a sombra

Paulo Roberto Ferreira. Ilustração: Jota Bosco. A menina ardia em febre. A mãe, aflita, fez um chá de alho com limão e rezou pedindo a intercessão de Maria Santíssima. O marido deveria estar bebendo com os amigos no botequim do Manduca. A luz de lamparina de lata, alimentada por querosene, projetou a sombra da mulher na beira do fogão a lenha. O paneiro, com charque e peixe seco, pendurado num caibro do telhado, parecia bem maior do que era. Madalena, a menina, gostava de brincar com as imagens projetadas pelo raio da luminária. Imaginava várias coisas que não conhecia. O cesto de palha, por exemplo, parecia um balão dirigível, que ela vira numa revista, no armazém do “seu” Raul. Mas naquela noite ela não tinha disposição para representar, na parede do barraco, os seus pássaros batendo asas, que eram as sombras dos dedos em movimento. Mesmo embrulhada num lençol grosso, Madalena não suava. A febre não cedia, para desespero de sua mãe. Quando se sentou na rede para tomar o chá, Inác