Paulo Roberto Ferreira
Viajar na Amazônia exige uma boa dose de espírito de aventura. Em 1984, eu estava em Xinguara para acompanhar uma discussão sobre os 20 anos do Estatuto da Terra e os conflitos fundiários no sul do Pará. Quando liguei para o Anselmo Gama, chefe de reportagem do jornal O Liberal, a fim de comunicar que minha jornada estava encerrada, recebi outra missão: me deslocar, de ônibus, até o município de Tucumã, ao longo da rodovia PA-279. Garimpeiros tinham invadido uma reserva indígena da etnia kayapó, em São Félix do Xingu, que fica a 232 quilômetros de Xinguara (em linha reta) e 1.039 quilômetros de Belém.
A estrada não era asfaltada. E, como estávamos no período de chuva, em pouco tempo tivemos que abandonar o veículo. Uma cratera cortou o nosso caminho. Tivemos que atravessar uma ponte improvisada e passar para uma kombi, que iria somente até Guaritaí, lugar que eu nunca ouvira falar. Encarei. Quando cheguei no destino fui informado pelo dono do pequeno restaurante que o lugar tinha trocado de nome: chamava-se, agora, Ourilândia do Norte.
Enquanto aguardava a picape que fazia linha para Tucumã, soube que a construtora Andrade Gutierrez ganhara, nos anos 1970, do então presidente da República, Ernesto Geisel, uma área de mais de 3 mil hectares, sem passar pela aprovação do Senado Federal, para a implantação do Projeto Tucumã, que acabou se transformando num distrito de São Felix do Xingu e tempo depois ganhou autonomia municipal.
A empreiteira nunca tinha administrado um projeto de assentamento rural. Sua especialidade era a construção de rodovias, pontes e prédios. A dona da capitania estabeleceu que nas suas terras não havia espaço para nordestinos, nortistas e gente do Centro Oeste. Seu foco eram os colonos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Instalou uma milícia para controlar o acesso de pessoas (maranhenses e goianos) que se deslocavam de Xinguara para São Felix. E montou guaritas ao longo da rodovia, com numeração em algarismo romano. Assim a primeira, onde as pessoas eram obrigadas a descer do transporte e passar por rigorosa revista, foi denominada de Guaritaí (de Guarita I).
Quem conduzia picareta, pá, enxada e bateia, não podia prosseguir viagem. Os garimpeiros criaram um ódio dos guardas da empresa. E alguns foram ficando por ali mesmo, enquanto aguardavam condução para retornar. Outros começaram a improvisar vendas de comida. Porém, os mais ousados entravam pela floresta e rumavam em direção a São Félix. No meio do caminho, nas margens dos afluentes do rio Fresco, começaram a garimpar. E foram surgindo pequenos veios de ouro. O ponto de referência passou a ser a Guarita I, que atraiu prostitutas, vendedores de remédio, comércio de secos e molhados e igrejas, ali na porteira de Tucumã.
O amontoado de gente virou povoado e, em pouco tempo, os brios dos moradores do lugar, falou mais forte. Decidiram, como vingança ao chefe da segurança da Andrade Gutierrez, que Guaritaí deveria ganhar outro nome: Ourilândia do Norte. Na planejada vila de Tucumã, ficavam o campo de aviação, o posto da Funai e a unidade da Polícia Militar, instalados em ruas bem traçadas. Mas era na desordenada Ourilândia que os homens buscavam bebida, sexo e todo tipo de negócio que não se praticava dentro do Projeto.
Quando recebi autorização da Funai para entrar na Aldeia Krokaimoro, onde os índios amarraram um grupo de garimpeiros, eu só tinha uma opção de transporte: via aérea. Mas os fretes eram caros e a ordem de pagamento que o jornal me enviara não dava para bancar os custos. Fui aconselhado a procurar um piloto que fazia transporte de carga aos garimpos. Acertei com um veterano profissional, que me sugeriu comprar repelente. Na aldeia tinha muito pium, um tipo de mosquito que provoca estragos na pele e até febre. E na hora combinada, entrei no monomotor. Só tinha a cadeira do piloto. Todo o resto era saco de feijão, arroz, farinha, açúcar, charque e outras mercadorias. Fui sentado em cima da carga, sem cinto de segurança. E porta? Também só existia a porta do piloto. O outro lado era todo aberto para poder derramar os produtos na direção da clareira, devidamente forrada com folhas.
O piloto me deixou e seguiu viagem. Quando retornou, o avião estava vazio. Voltei para Tucumã sentado numa lata de querosene, arranjada por um funcionário da Funai. Mas cheio de notícias quentes e exclusivas. Coisa de repórter que enfrenta qualquer obstáculo para obter informação de interesse público.
Felipe Alves de Macedo, o Filipinho, deixou a Terra. Foi ao encontro de seus companheiros de luta no Araguaia: Raimundo Ferreira Lima (Gringo), João Canuto, Expedito Ribeiro e tantos outros bravos camponeses que lutaram e tombaram na luta pelo direito de viver e produzir no campo. Dedicou seus 81 anos de vida ao cultivo da terra como animador de comunidade, na organização e resistência dos lavradores, em Conceição do Araguaia. Filipinho foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Araguaia, dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT-Pará) e membro do Partido dos Trabalhadores. Viveu parte de sua vida sob ameaça de pistoleiros a serviço do latifúndio. O ex-dirigente do STTR fez parte de uma lista de “marcados para morrer”. O repórter-fotográfico João Roberto Ripper, que integrou a agência F-4, fez um registro, em 1980, com seis pessoas ameaçadas: Maria da Guia, Josimar, Filipinho, Oneide Lima (viúva do Gringo), Luiz Lopes e João Pereira. O jornalista, em...
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