Paulo Roberto Ferreira
Um pássaro grande, desengonçado e estranho considerava-se mais esperto que o caçador. Exibia seu canto e voo triunfal na floresta para atrair o homem e sua arma. Sempre voava na direção de um ninhal de japiim – pássaro de plumagem preta e amarela (às vezes tem parte da plumagem vermelha). Os jappins ficavam irritados com a indesejada presença. Porém, como temiam a ave bizarra e o caçador, faziam um extremo esforço para permanecer em silêncio dentro de seus ninhos, em forma de bolsa, pendurados na árvore onde a sinistra ave fazia seu abrigo provisório.
O caçador seguia o voo do Bico de Sapo e, mesmo sem definir onde estava o seu alvo, aprumava a espingarda e atirava meio sem rumo. O extravagante pássaro se camuflava e ficava invisível aos olhos do atirador. Resultado: o homem acertava as aves da espécie cacicus haemoffhous, que morriam dentro dos ninhos. Depois que recolhia seus troféus, o homem se retirava da floresta. Mas o estrago estava feito. A insatisfação crescia entre os japiins. Mas ninguém tinha coragem de enfrentar o soberbo pássaro.
Então, uma coruja, que a tudo assistia, mesmo divergindo do procedimento dos xexéus, que imitam o canto de outras aves e até o som de alguns mamíferos, decidiu dar um conselho às vítimas do traidor da espécie animal: recomendou que procurassem as formigas de fogo e fizessem um trato. As aves forneceriam folhas para as pixixicas se alimentarem durante o inverno, em troca de um ataque organizado ao Bico de Sapo. As formigas deveriam ocupar todos os galhos e folhas de uma velha figueira, mas poupariam os ninhos dos japiins.
A coruja tinha observado que o inimigo só usava o recurso da camuflagem quando pousava na árvore. Voando, não conseguia passar despercebido do caçador. Depois de estudar o melhor momento do contra-ataque, os xexéus marcaram o dia da ação das formigas, que ocuparam suas trincheiras na noite anterior ao dia da batalha. Assim foi feito: quando o caçador, atraído pelo canto do Bico de Sapo foi se aproximando da árvore, as formigas se preparam para o ataque ao tenebroso pássaro.
Quando pousou num galho, recebeu muitas ferroadas, então levantou voo em busca de outro abrigo, onde também foi recebido pela linha de frente do exército das pixixicas. Desesperado, saiu da linha de proteção e se expôs novamente ao campo de visão do inimigo maior. Mas sempre voltava para a árvore ocupada pelas organizadas formigas, que lhes impunham nova batida em retirada. E neste vai e vem, o caçador aprumou a espingarda e abateu o Bico de Sapo, em pleno voo. Em silêncio, os japiins aguardaram o caçador recolher a presa, e depois fizeram uma festa, num grito de vitória, imitando o canto de vários pássaros da floresta.
O traidor já não era mais problema. Porém, era preciso se afastar do inimigo principal. Então houve uma assembleia geral e os japiins tomaram a decisão de bater em retirada daquela região. Foram procurar uma árvore mais distante e ficaram espertos para nunca mais ter que conviver com um traiçoeiro elemento do reino animal.
Ficou uma lição para todos: quem brinca com o inimigo, acaba abatido por ele.
Felipe Alves de Macedo, o Filipinho, deixou a Terra. Foi ao encontro de seus companheiros de luta no Araguaia: Raimundo Ferreira Lima (Gringo), João Canuto, Expedito Ribeiro e tantos outros bravos camponeses que lutaram e tombaram na luta pelo direito de viver e produzir no campo. Dedicou seus 81 anos de vida ao cultivo da terra como animador de comunidade, na organização e resistência dos lavradores, em Conceição do Araguaia. Filipinho foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Araguaia, dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT-Pará) e membro do Partido dos Trabalhadores. Viveu parte de sua vida sob ameaça de pistoleiros a serviço do latifúndio. O ex-dirigente do STTR fez parte de uma lista de “marcados para morrer”. O repórter-fotográfico João Roberto Ripper, que integrou a agência F-4, fez um registro, em 1980, com seis pessoas ameaçadas: Maria da Guia, Josimar, Filipinho, Oneide Lima (viúva do Gringo), Luiz Lopes e João Pereira. O jornalista, em...
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